quinta-feira, 21 de abril de 2011

De Cultura para culturas



Somente nos anos vinte do século passado surgiram as rachaduras do conceito moderno de Cultura duramente atacada pela antropologia, filosofia, lingüística e principalmente a sociologia colocando em cheque a epistemologia monocultural. Esses e outros vertentes de estudo contribuíram para detonar o conceito moderno nos mostrar a produtividade de entendermos que é melhor falarmos de culturas em vez de falarmos em Cultura.
Este deslocamento conectado a crise da modernidade, se manifesta numa dimensão teórica, intelectual, mas nada reduzido à questão epistemológica. Tal deslocamento é inseparável de uma dimensão política em que se atuam forças poderosas em busca da imposição de significados e pela dominação material e simbólica. Se o monoculturalismo coloca ênfase no humanismo e na estética, o multiculturalismo muda a ênfase para a política. E se as atribuições de significados são, sempre e ao mesmo tempo, uma questão epistemológica e uma questão de poder, é fácil compreender o quanto tudo isso se torna mais violento quando se trata de significações no campo da cultura; justamente o campo onde hoje se dão os maiores conflitos, seja das minorias entre si, seja delas com assim chamadas maiorias.

Os defensores da monocultura defendem que é preciso procurar além das aparências, ir a fundo e encontrar a lógica única e o repertório comum de princípios, códigos e valores comuns a todas as culturas. Para esses, a universalidade não se dá nem nos detalhes, nem na imediatez da experiência, mas está no nível das generalizações. Mas cai por terra quando se procura por pelo menos um principio válido para todas as culturas. Mas também há um segundo argumento que diz que se não houvesse um denominador comum ou um princípio transcendente que funcionasse da mesma maneira em toda e qualquer cultura, não haveria como uma cultura se comunicar ou se diferenciar de todas as outras e nem tampouco sabermos se estamos diante de uma cultura.
Este é um argumento usado pelos anti-relativistas (essencialistas) em defesa de um suposto caráter universalista da cultura, assim como qualquer outro conceito que acharem conveniente universalizar, é um entendimento que dá suporte à noção de que existe uma essência na linguagem e conseqüentemente, uma essência por detrás dos conceitos, já que são “manifestações lingüísticas”. Exemplo disso seria a tradutibilidade, mesmo que parcial, seria uma prova empírica de que deve haver um ou alguns variantes supralinguisticos universais. Enquanto isso, essa dificuldade em conseguir uma tradução definitiva e plena decorreria somente de ruídos comunicacionais ou incompetências e imperfeições dessa ou daquela língua, a dificuldade não decorreria da linguagem por si, mas de um uso incorreto que fazemos da linguagem e este raciocínio pode ser estendido à cultura e para as relações interculturais. A questão da tradutibilidade não deve ser colocada a fim de buscar um elemento comum que possa servir de elo de compreensão para todas as linguagens e culturas. É a virada lingüística que modifica o entendimento tradicional da linguagem impossibilitando-a de fundamentá-la a lógica fora dela mesma saindo da metafísica lingüística para o mundo cotidiano. Não há outro mundo a sustentar aquilo que chamamos de cultura.
Ao invés de ser entendida como um calculo, a linguagem passa a ser entendida como um jogo, sempre contingente, por isso existe uma margem de indeterminação nas coisas ditas(pensadas) mas que abre a possibilidade para que sempre se continue a conversação. 

As conseqüências desta virada são enormes, estilhaçando e pluralizando não somente a linguagem, mas também a Cultura, nos levando a falar em linguagens e em culturas. Segundo Veiga, a epistemologia monoculturalista assume uma postura intelectual arrogante porque é única, de conteúdo determinável e, por isso, de cunho determinista, fazendo com que caiba a educação apenas dizer àqueles que estão entrando no mundo, o que é mesmo este mundo e como ele funciona ao contrário do multiculturalismo que humildemente assume que por mais que se fale nunca se saberá o que é mesmo este mundo nem como ele funciona. Não se pode pretender dizer , aos que estão entrando no mundo o que é o mundo; O que no máximo a multicultura pode fazer é mostrar como o mundo é constituído nos jogos de poder/saber por aqueles que falam nele e dele, e como se pode criar outras formas de estar nele. E ela se dá assim porque não temos nenhum lugar de fora dela para dela falar; estamos irremediavelmente mergulhados na linguagem e numa cultura, de modo que aquilo que dizemos sobre elas não está jamais isento dela mesma. Trata-se de uma virada porque justamente o que parecia tão problemático (o babelismo lingüístico) não passa de um estado do mundo, enquanto que aquilo que parecia ser o estado do mundo não passa de uma invenção de uma idéia um dia idealizada.

Referencia bibliografica:VEIGA-NETO, Cultura, culturas e educação. Revista Brasileira de Educação. ANPED, Mai/Jun/Ago, nº 23, 2003, pp.5-15

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